sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Capivara no Rio Grande do Norte: registros e história natural do maior roedor do mundo

Presente em lagoas, açudes e áreas úmidas potiguares, a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) revela uma fascinante adaptação à vida semi-aquática e desempenha papel essencial na natureza.


🌿 Introdução

Você sabia que o maior roedor do planeta é um excelente nadador e vive em grupos familiares às margens dos rios brasileiros?
A capivara (Hydrochoerus hydrochaeris, família Caviidae) é um dos animais mais emblemáticos da fauna sul-americana. Presente em todo o território nacional, inclusive no Rio Grande do Norte, ela representa a perfeita harmonia entre o ambiente aquático e o terrestre. Apesar de sua aparência dócil, esse gigante tranquilo possui adaptações surpreendentes e uma vida social complexa que desperta a curiosidade de cientistas e amantes da natureza.


🐾 Descrição morfológica

A capivara impressiona pelo tamanho: pesa entre 35 e 65 quilos e pode atingir 1,34 metro de comprimento, sendo o maior roedor existente no mundo. Seu corpo é robusto, de formato cilíndrico, coberto por pelagem densa e grossa, com coloração predominantemente castanho-avermelhado nas partes superiores, e tons amarelados ou amarronzados na região ventral.
Possui cabeça grande e orelhas curtas e arredondadas, olhos altos que permitem observar o ambiente enquanto o corpo permanece submerso e patas parcialmente palmadas, providas de membranas interdigitais que facilitam a locomoção na água. 

As patas dianteiras têm quatro dedos, enquanto as traseiras tem três. A cauda é vestigial, quase imperceptível, e a fêmea apresenta quatro pares de mamas, uma característica importante para a criação coletiva dos filhotes.

Essas adaptações anatômicas fazem da capivara uma verdadeira especialista em ambientes alagados — um roedor semi-aquático perfeitamente moldado à vida entre a terra e a água.


🌎 História natural e comportamento

As capivaras são herbívoras diurnas(mais ativa no final da tarde e início da noite), alimentando-se principalmente de gramíneas e vegetação aquática, como capim e aguapés. Sua dieta, no entanto, varia de acordo com a estação do ano e a disponibilidade de recursos. Durante os períodos de seca, grandes grupos podem se reunir ao redor das poucas fontes de água restantes, formando agregações de até cem indivíduos.

A vida social da espécie é intensa e bem organizada. Os grupos, geralmente compostos por 2 a 30 animais, são liderados por um macho dominante, responsável por proteger o território e as fêmeas, onde ele defende o acesso aos recursos. Esse sistema de acasalamento é poligínico, e as interações dentro do bando incluem vocalizações, banhos de lama e longos períodos de descanso coletivo ao sol.


A reprodução ocorre durante todo o ano, especialmente nas regiões tropicais. A gestação dura cerca de 120 dias a 5 meses, resultando em prole de 1 a 7 filhotes, com média de 3 a 4. Logo após o nascimento, os filhotes são precoces e já conseguem acompanhar o grupo em poucas horas, aprendendo rapidamente a nadar e pastar.
Estudos realizados no Pantanal e na Venezuela mostram que o pico de nascimentos acontece no período chuvoso, quando a vegetação está mais abundante. A expectativa de vida reprodutiva é curta em comparação a outros mamíferos, cerca de 5 anos, mas o sucesso reprodutivo é elevado graças à estrutura social coesa.

Um aspecto notável da capivara é sua notável tolerância a ambientes modificados pelo homem. É comum encontrar populações vivendo em áreas urbanas, como margens de rios canalizados e parques dentro de grandes cidades. Em São Paulo, por exemplo, grupos prosperam mesmo às margens dos poluídos rios Tietê e Pinheiros, mostrando a incrível capacidade de adaptação da espécie.


🌍 Habitat, ocorrência e distribuição geográfica

A Hydrochoerus hydrochaeris apresenta ampla distribuição geográfica, ocorrendo em quase toda a América do Sul, do leste dos Andes até o Uruguai e Argentina, passando por Colômbia, Venezuela, Guianas, Peru, Bolívia, Paraguai e, claro, todo o Brasil.

No território brasileiro, está presente em todos os estados, incluindo o Rio Grande do Norte, sendo mais comum nas margens de rios, lagos, açudes e áreas úmidas de planície. Ela habita praticamente todos os biomas nacionais — Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa — e pode ocupar até savana sazonalmente alagada, pântanos de mangue e áreas alagadas salobras.

Durante minhas excursões pelo estado do Rio Grande do Norte, tenho observado a capivara com maior frequência na faixa costeira, especialmente no litoral sul do RN, em áreas pantanosas, represas e lagos cercados por vegetação típica do bioma Mata Atlântica. Além desses registros litorâneos, também já encontrei evidências de sua presença ao redor de açude em áreas de ecótono-transição entre a Mata Atlântica e a Caatinga, na mesorregião Agreste Potiguar.   

Pegada de Capivara em solo úmido as margens de açude em área de transição entre Mata Atlântica e Caatinga Potiguar.

⚠️ Ameaças e grau de risco

A capivara não está ameaçada de extinção em nível mundial de acordo com a lista vermelha da IUCN, e também em nível nacional de acordo como o Livro vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. Em ambas as avaliações ela foi classificada na categoria “LC”-Menos Preocupante. Isso significa que não há evidências atuais de declínio populacional severo, embora a caça ainda represente a principal ameaça local em algumas regiões.

Historicamente, a espécie foi amplamente caçada por sua carne e couro, e entre 1976 e 1979, quase 80 mil peles foram exportadas apenas da Argentina. No Brasil, acredita-se que a pressão de caça diminuiu com o aumento de criadouros legalizados e manejo sustentável, mas a prática de abate ainda ocorre em áreas isoladas, o que deve contribuir para extinções locais.

Além disso, a perda de habitats úmidos — devido à drenagem, agricultura intensiva e urbanização — pode afetar populações locais, especialmente em regiões semiáridas. Mesmo assim, em várias localidades brasileiras há indícios de crescimento populacional, resultado da grande capacidade de adaptação e da ausência de predadores naturais em zonas urbanas.

Em alguns contextos, o aumento populacional gera conflitos com agricultores, pois bandos podem danificar plantações de milho e pastagens. Por isso, órgãos ambientais e pesquisadores estudam estratégias de manejo populacional e convivência, equilibrando conservação e controle.


🌿 Importância ecológica

A capivara exerce um papel ecológico fundamental nos ecossistemas aquáticos e ribeirinhos. Como herbívora de grande porte, ela controla o crescimento da vegetação do entorno das áreas alagadas e da vegetação aquática, além de influenciar a distribuição de nutrientes nas margens de rios e lagoas. Seus excrementos enriquecem o solo, favorecendo o crescimento de plantas e contribuindo para a ciclagem de matéria orgânica. 

Fezes de capivara em trilha no interior da Mata Atlântica as margens de área alagada no Rio Grande do Norte. 

Além disso, é presa natural de grandes predadores, como as onças, a jaguatirica, a sucuri e a jiboia, sendo elo importante nas cadeias tróficas.


💡 Curiosidades sobre a capivara

·         A capivara mantém-se nas proximidades de corpos de água, pois ao sentir-se ameaçada, ela mergulha, ficando submersa por tempo suficiente para escapar.

·          Vive em grupos coesos, com forte comportamento social e cuidado coletivo dos filhotes.

·         Seu couro era tão valorizado que impulsionou uma intensa caça comercial nas décadas de 1970 e 1980.

·         No Brasil, pode ser vista até em parques urbanos, convivendo com humanos em harmonia surpreendente.


👉Você já avistou capivaras nas lagoas ou rios do Rio Grande do Norte? 
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A capivara é um exemplo de adaptação e equilíbrio na natureza. Símbolo de tranquilidade, ela mostra que a convivência entre fauna silvestre e áreas urbanas é possível — desde que haja respeito e preservação.

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